A conferência do clima ocorrida em novembro traz expectativa de ser um divisor de águas em relação a ações mais consistentes em favor da preservação ambiental no setor agropecuário. Pressão crescente europeia, americana e, agora chinesa, para não comprar produto originário do desmatamento e do mercado financeiro de não investir e participar em atividades que envolvam desmatamento provocou a necessidade de envolverem os agentes da cadeia na discussão que iniciou na COP26, mas que ganhou corpo esse ano com a criação de diretrizes para dissociar desmatamento da cadeia de abastecimento das tradings e industrias e que sobrepõe, inclusive, a lei nacional. Segue roteiro:
Tabela 1: Cronograma
No total, 14 companhias assinaram o plano com o objetivo de limitar o aquecimento a 1.5ºC. De 2001 a 2015, 7 commodities substituíram 71.9 milhões de hectares de floresta no mundo. Carne bovina, soja e óleo de palma são as principais. As 3 representam juntas cerca de ¼ das emissões do setor alimentos. Neste relatório, focaremos em carne bovina e soja.
Carne: Na diretriz divulgada na COP27, houve um importante compromisso assinado pela Marfrig e JBS para acabar com toda originação proveniente de desmatamento da Amazonia até 2023 para fornecedores diretos e até 2025 para indiretos. Para o Cerrado, 2025 para ambos os fornecedores. A primeira impressão nos faz pensar que até 2025 podemos abrir área para pastagem. Na realidade, ficou definido uma data retroativa para rastrear a produção. Na Amazônia: ago/2008 respeitando a Moratória da Soja. No Cerrado: ago/2020 de acordo com o Protocolo de Monitoramento Voluntário.
Gráfico 1: Evolução do Desmatamento
A rastreabilidade do produto, por enquanto, é o gargalo a ser priorizado. Projetos em progresso no PA e MG tendem a ser estendidos aos outros estados. O acesso ao CAR e GTA pelo MPF já é para vigorar a partir de jan/23. Investimentos em sistemas de monitoramento serão ampliados, tais como Beef on Track, Plataforma Selo Verde, GTFI e Protocolo de Monitoramento Voluntário. Produtores que não estiverem em conformidade terão que tomar ações específicas (pagamento de multas, re-florestamento) para corrigir e remediar se quiserem participar novamente da cadeia.
Soja: O roteiro fica aquém do que era esperado. Uma das maiores questões em jogo é o futuro do Cerrado. O documento fala em definir data de corte até 2025 e monitorará desmatamento acima de 25 ha. A questão é que o roteiro foca em áreas de floresta. No fato, 82% das áreas entre 2015-2020 convertidas em lavoura no Cerrado não são classificadas como floresta. Ou seja, o documento ainda expões milhões de ha para desmatamento, respeitando as regras estaduais. Entre 2003-2013, a transformação de áreas ‘não florestas’ no Cerrado foi responsável por mais de 70% das emissões da expansão das lavouras.
Gráfico 2: Bioma Cerrado
É provável que os novos reportes sejam mais espe-cíficos e rígidos em relação ao Cerrado. Em jun/23, as tradings signatárias do documento desenvolverá uma regra comum para não originar nas áreas em desacordo com o compromisso firmado.
De modo geral, será criado um grande sistema de monitoramento vinculado a sistema de certificação e terá a colaboração tanto do setor privado quanto do governo. Caberá ao produtor se adaptar, tendo que provar que o produto vem de área não fruto de desmatamento. Apesar de existir questões a serem esclarecidas, o indicado é que abertura de área e desmatar o excesso de reserva legal seja evitado, pois se trata de um acordo que sobrepõe a lei. Mas e como fica a segurança alimentar em um mundo que não para de crescer?
Gráfico 3: Evolução População Mundial
A ideia não é que a pro-dução estabilize, mas que os esforços em aumento de área sejam feitos em terras degradadas e pastagens. Isso é possível através de políticas de uso de terra mais rígidas. Outro ponto debatido é em como incentivar o produtor a colaborar para o objetivo estabelecido, uma vez que é o principal agente da cadeia. Além do produtor em desacordo com as regras ambientais ser bloqueado pelas tradings, o documento incentiva através de bonificações e pagamentos pela ‘natureza’ o produtor que preserva e refloresta. O financiamento verde já é uma realidade e existem fundos criados recentemente como o ‘Biomas’, empresa criada em parceria entre Rabobank, Santander, Marfrig, Vale, Itaú e Suzano para fomentar a preservação.